Porsche - Um homem de fibras

Um homem de fibras

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Tradição e modernidade
À tarde, Miani nos leva ao pátio interno do Palazzo Borromeo d’Adda na Via Manzoni. A poucas casas dali, seu avô abriu sua primeira alfaiataria em 1922.

Guglielmo Miani não só comanda a marca de luxo Larusmiani, de Milão. Também é louco por artes manuais e tecidos nobres, pelo dinamismo da sua cidade natal – e por seus carros turbo.

Na placa da campainha consta apenas uma letra: G. Os porteiros do prédio também não reagem imediatamente quando anunciamos que viemos ver “signore Miani”. Só o reconhecem pelo primeiro nome: “Guglielmo, é claro!” Depois de interfonar, nos permitem entrar no elevador de mogno que leva direto à sua cobertura.

É sexta de manhã, 8h30 em Milão, não muito longe do célebre e luxuoso distrito de moda Quadrilatero d’Oro. Guglielmo Miani nos recebe vestindo um roupão azul-escuro de veludo com lapela acolchoada de seda. Para o ensaio de fotos, o dono da marca de luxo Larusmiani veste o modelo Clark Gable da sua própria coleção. “Buon giorno, sou Guglielmo”, diz, simpático. “Aceitam um café?” Pouco depois, uma xícara do mais fino espresso é servida na mesa da sala de estar.

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Vivacidade
O amor por cores chamativas e acessórios nobres não passa despercebido na cobertura de Miani.

Miani então volta a se dedicar ao fotógrafo, recostando-se na porta da varanda, depois sentando-se na Honda Four que, reluzentemente limpa, decora a sala de estar. O olhar percorre sua cobertura no 7º andar, com vista para Milão inteira. Saindo para a varanda, vemos os pináculos da catedral à direita e as torres do distrito bancário à esquerda.

Na sala, pendurada na frente de uma parede espelhada, está a carroceria vermelha e branca de um antigo carro de corrida Alfa Romeo, e ao lado, a foto de um nu em preto e branco. Na mesa em frente repousa um volante que pertenceu a Ayrton Senna.

Miani não disfarça sua queda por cavalos-vapor nem sua elegância com ares de dândi – nem no apartamento, nem no perfil do Instagram de sua marca, que ele mesmo opera. Sentando-se no sofá de seda aveludada verde-escuro, ele pega o estojo de tabaco, de couro com a marca da empresa, e enrola um cigarro.

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Uma questão de elegância
As roupas da Larusmiani não ostentam a marca por fora, mas os clientes as reconhecem pelo estilo.

“Eu não lanço moda”, esclarece logo o italiano de 46 anos. “Tendências não me interessam.” Em suas palavras, a Larusmiani faz “produtos belos com design” para uma clientela exigente. São roupas masculinas fatto a mano – feitas à mão, assim como os acessórios. Seu lema não é extravagância, mas estilo. E seu único radicalismo é ser “louco por qualidade”.

Ele o herdou de berço – no caso, do avô, de quem também ganhou o nome. Foi Guglielmo Miani, o avô, que fundou a marca Larusmiani há mais de 100 anos. Aos 17 anos de idade, ele fez suas malas em Apúlia, no sul da Itália, e partiu para o Norte em busca da sorte. Com poucas liras no bolso, mas forte determinação para dar certo na vida. Em 1922, ele abriu uma alfaiataria em um pátio dos fundos na Via Manzoni, em Milão, que batizou de Larus – gaivota em latim, para evocar liberdade. A sede de liberdade e a extroversão são características que eles têm em comum, conta o neto, que, da sua parte, tem dois filhos crescidos.

E a sorte estava do lado do avô, que logo começou a cortar ternos finos para clientes ilustres e também conheceu, na Via Manzoni, sua futura esposa. Ele também tinha um bom tino para os negócios: como os tecidos mais nobres vinham da Inglaterra na época, começou a comercializá-los e tornou-se o maior importador de tecidos britânicos da Itália.

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Galleria Vittorio Emanuele II

“Meu avô trabalhava todos os dias até sete da noite”, conta Miani. “Depois ia ao bar Camparino.” Essa instituição milanesa, que fica bem na entrada da mundialmente famosa Galleria Vittorio Emanuele II – o templo máximo entre os centros de compras, coroado com uma cúpula de vidro – na época era o ponto de encontro de políticos, escritores e jornalistas. O bar era considerado a sala de visitas da cidade. E o que fez Miani quando surgiu a oportunidade? Ele o comprou da família Campari, fazendo por lá “o que hoje se chamaria de relações públicas”, conta Miani, o neto.

Mais tarde, na sede da empresa, ele quer nos mostrar o que é feito das ideias do avô nos dias de hoje. Miani troca de roupa. Ele escolhe uma camisa polo marrom e uma calça de tecido branca, com uma jaqueta esportiva azul-escura e mocassim de veludo preto. Um traje à altura de embarcar em qualquer iate. Não se veem marcas, somente que os tecidos são finos. As roupas da Larusmiani “têm um toque de modéstia que é típico de Milão”, afirma.

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E, é claro, combinam perfeitamente com o 911 (993) Turbo azul marine fabricado em 1995 que ele tem na garagem. Miani diz que é um entusiasta Porsche praticamente desde que nasceu: no seu quarto de infância, já tinha uma estante com modelos de carros esportivos da marca. O 993 era o seu sonho desde que, na época em que estudava empreendedorismo na Babson College, perto de Boston, viu o pai de um colega dirigindo o modelo. Quando o visitaram juntos em Miami, os amigos saíram escondidos para uma volta com o 911 do pai pela cidade.

O 911 de Miani veio da Porsche Exclusive Manufaktur, fabricado uma vez como peça especial para um cliente do Japão. Os revestimentos internos de couro e até os mostradores são da cor vermelho cancã, como as saias das dançarinas do Moulin Rouge em Paris. Até o painel de instrumentos é do mesmo tom. Todos os cinco veículos Porsche que Miani possui são da Exclusive Manufaktur em Stuttgart-Zuffenhausen. Na garagem da sede da Larusmiani, o chefe da empresa mostra seu 911 (996) na cor prata com interior em vermelho boxster, que tem até as saídas de ventilação revestidas em couro. “Um trabalho insano”, reconhece.

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911 sob medida
Para Miani, seus carros são como peças de roupa. Ele escolhe qual vai usar toda manhã na garagem.

Ele então é abordado por um dos seus funcionários, que tem perguntas sobre seu barco. Além disso, deseja discutir amostras de tecidos com Miani. E logo também haverá a reinauguração da loja Larusmiani, próxima da rua de luxo de Milão Via Monte Napoleone. O CEO está sob pressão, mas não deixa transparecer. Mais tarde também terá que explicar algo relacionado ao seu evento Fuori Concorso – um encontro exclusivo de amantes de carros no Lago de Como, que Miani realiza em todo mês de maio desde 2019 no jardim da Villa del Grumello. Em 2022, o tema era motores turbo, e foi exibida uma peça de exposição correspondente e exclusiva: uma versão de rua do 911 GT1 do Museu Porsche. Este ano, será celebrado em grande estilo no Fuori Concorso o aniversário de 75 anos dos carros esportivos Porsche.

No showroom da sede, vemos tudo relacionado à marca: além de roupas finas, há todo tipo de acessórios para homens de classe: umidores e caixas para relógios, kits de barbear com cabo de madrepérola, guarda-chuvas, cinzeiros com tigres pintados à mão, conjuntos de gamão, jogos de ferramentas de couro para o carro. Miani também está desenvolvendo um balde para espumante de carbono. Sobre uma mesa na área do escritório, há velhos álbuns de fotos, onde vemos o fundador da empresa posando sorridente ao lado de muitas celebridades. O avô Miani era alfaiate não só da lenda do cinema italiano Totò – Buster Keaton também era seu cliente, assim como o último rei da Itália, Umberto II. Até o Príncipe Philip da Inglaterra já lhe fez uma visita.

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Arte manual
A nova boutique na Via Verri fica no célebre bairro de moda de Milão, perto da Via Monte Napoleone. Lá Miani apresenta sua visão moderna da marca. Sua arte é combinar materiais e técnicas para máxima qualidade.

Para divulgar seus tecidos, o avô pensava sempre em novas ações publicitárias. Para anunciá-los no Natal de 1968, ele mandou trazer uma cabine telefônica inglesa para a Piazza del Duomo em Milão, de onde as crianças podiam telefonar para o Papai Noel. Outra vez, colocou duas vicunhas vivas em uma das suas lojas para demonstrar a fineza de sua lã. As chamadas enchiam as páginas dos jornais. Ele claramente já sabia na época do que são feitas as vitrines de Milão até hoje: espetáculo, sonhos, sedução. “Ele era um autêntico marqueteiro!”, ri o neto.

Que também não perdia o passo do tempo: “Antes dos anos 1950, quem queria um terno precisava ir ao alfaiate”, conta Miani. “Então começaram as confecções.” Foi quando o avô também começou a produzir coleções prêt-à-porter – feitas à mão, evidentemente. É o que a Larusmiani faz até hoje. Todas as peças vêm da fábrica própria na Toscana, onde trabalham 40 profissionais de costura. Em um único terno, eles costuram por cerca de 60 horas. “Fazer uma peça de roupa à mão é como criar uma obra de arte”, diz Miani. Segundo ele, cada alfaiate tem sua própria assinatura.

Quando o avô Guglielmo Miani se aposentou, seu filho assumiu a marca. Mas como Riccardo Miani era claramente mais introvertido, deixou o design para sua mulher e cuidou da expansão do comércio de tecidos. Riccardo montou uma fábrica para produzir tecidos italianos, pois, nesse meio tempo, eles não só tinham ganhado qualidade, como também se tornado mais leves, fluidos e modernos que os britânicos. Para a produção, ele comprava as mais nobres matérias-primas do mundo, como algodão, seda, cashmere e linho.

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Depois de retornar dos estudos nos EUA, o neto Guglielmo Miani também entrou para a empresa, onde comandou o comércio de tecidos por mais de 15 anos antes de assumir a direção geral. Como ele desenvolveu a marca desde então? Por exemplo, aumentando a proporção de tecidos de verão na coleção, conta ele.

Além disso, também trouxe mais clareza para a marca de roupas e o estilo de vida a ela associado – que, de certa forma, é o seu próprio: só produz coisas que ele mesmo vestiria ou usaria, explica. Na casa jamais entrariam sandálias, por exemplo – que ele não usa “nem sob tortura”. Na coleção, ele prefere os slippers coloridos costurados à mão chamados de friulanes ou furlanes, que combinam com tudo: da sunga ao smoking. “Para mim, roupas masculinas precisam de regulagem fina”, diz Miani – voltando, assim, para a língua dos carros.

De qualquer forma, é hora de dar uma volta por sua cidade natal, cuja criatividade e dinamismo ele tanto ama. Passamos pelos Giardini Indro Montanelli, um dos parques do centro, pela Via Manzoni, onde tudo começou, até chegar ao Hotel Bulgari, onde Miani gosta de almoçar. No caminho, ele liga o sistema de som, que toca o pop dançante cantado por Alex Rossi: “Tutto va bene quando facciamo l’amore” – ou “tudo vai bem quando fazemos amor”.

Em certo momento, Miani pisa fundo, e sentimos como se o carro ficasse suspenso por um instante. É por isso que seus cinco Porsches são todos turbo, diz ele. “Gosto da sensação de adrenalina de quando o turbo entra em ação.”

Quando questionado sobre quantos carros tem no total, ele balança a mão em uma estimativa: “25”, que rodam com uma placa só para todos. Se ele escolhe todas as manhãs qual carro vai dirigir no dia? “Si”, responde, sorrindo. Para ele, seus carros são “come un vestito.” Como uma peça de roupa.

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Tour por Milão
Miani ama o dinamismo da sua cidade natal – assim como a criatividade.

Texto Andrea Walter
Fotos Alberto Bernasconi, Andrea Luzardi, Julian Elliott (Getty Images)